Programa Nacional de Competição Agrícola |
Renato
Augusto Pontes Cunha* |
Os fossos entre as condições de vida das várias camadas da população brasileira não sinalizam tendência à diminuição. Em viagens internacionais, representantes do governo apregoam que a pobreza mundial é susceptível de ser resolvida através da adoção de fórmulas matemáticas de “retenção” percentual sobre ativos financeiros “excedentes” de poupadores internacionais. Trata-se de um mecanismo utópico, carregado de romantismo ideológico e de boas intenções, mas carente de lógica prática. No Nordeste do Brasil existem desigualdades gritantes. São assimetrias, diferenças e misérias que grassam num país riquíssimo, porém extremamente injusto na sua lógica de desenvolvimento, gerido, historicamente, de forma improvisada. Uma das características dessa suposta gestão do desenvolvimento é sua dissociação de decisões que conduzam a que os mecanismos de compensação regional sejam respeitados. Os órgãos de fomento regionais – em que pesem falhas históricas – acabaram sempre desprestigiados. E no nosso País, o Estado – com seus órgãos e estruturas funcionais – nunca se submeteu aos planos de cunho desenvolvimentista, intrinsicamente vinculados ao combate das desigualdades inter-regiões. Nesse contexto, no recém divulgado plano de safra do Governo Federal – anunciado com pompa pelo Presidente da República – não houve absolutamente qualquer sinal de tentativa de nivelamento da competição agrícola no País. É verdade que há muito, desde o surgimento dos adventos da agricultura de cerrado no Centro/Oeste e de tabuleiros nas costa atlântica, ela tem se desenvolvido com irrigação e tecnologia avançada, constituindo-se, hoje em dia, referência mundial em matéria de produtividade e versatilidade. Fazemos uma agricultura terciária, que gera empregos de forma maciça. Somente na atividade da cana-de-açúcar contamos com mais de 1 milhão de empregos diretos, dos quais cerca de 350 mil no Nordeste. Mas, se não conseguirmos preparar o futuro, nessa atual fase de esplendor e abundância, certamente correremos o risco de estagnar e cair. Plano de safra não é apenas orçamento financeiro: é instrumento de desenvolvimento sustentado, com abordagens para uma agricultura planejada, capaz de monitorar diferentes variáveis estratégicas, como oferta, demanda, suprimento, infra-estrutura logística e, sobretudo, nivelamento de custos de competição atrelados a respostas no que refere à geração de empregos. Além disso, todas essas variáveis devem estar contidas no aferimento dos custos x benefícios, abaixo, ou dentro, dos limites da cláusula de minimis da OMC em matéria de subvenções a fundo perdido ou subsídios. Nesse contexto, a equalização canavieira dos custos da cana-de-açúcar do Nordeste é pertinente, face à topografia predominantemente acidentada da região, associada à instabilidade climática num modelo semimecanizado que, mesmo assim, é o segundo menor custo do mundo – perdendo, apenas, para as regiões de Ribeirão, Piracicaba e adjacências. No entanto, no Nordeste canavieiro, carecemos do retorno – conforme rezam o art. 177 da Constituição Federal e a Lei 10.453/2002 – de parte dos recursos que o Governo Federal, via CIDE dos combustíveis, confisca do preço do álcool produzido pelo setor sucroalcooleiro do Nordeste, carente de diferenciais competitivos (cerca de 25% superiores ao Centro/Sul), mas que requer 250% a mais em matéria de geração de empregos (pois nas ladeiras e encostas de Pernambuco, por exemplo, são utilizados até 6 homens/por hectare na colheita de 1.000 toneladas versus menos de 2 homens em Piracicaba/Ribeirão Preto). É essa realidade que levou o Presidente a se comprometer, na campanha presidencial de 2002, no Hotel Atlante Plaza do Recife/PE, com representantes dos fundos agrícolas do Nordeste (mais de 15.000 propriedades produtivas) a tornar aquele programa uma rotina de trabalho. Lamentavelmente, tal promessa não vem se materializando. No entanto, ainda é possível a construção de um futuro atrelado a um custo Brasil mais eqüitativo, desprovido de tensões sociais que solapam a rede de proteção social com a qual a agricultura envolve a Nação brasileira. Por outro lado, o que é confiscado dos produtores do agronegócio do Nordeste, via CIDE, só retorna em fluxo inconstante, nem mesmo para atenuar os perversos reflexos da entressafra da região. Paradoxalmente, o mesmo governo, via Ministério das Minas e Energia e Petrobrás, detona royalties para energias fósseis, principalmente no Rio de Janeiro, onde, os municípios fluminenses abocanham cerca de R$ 1,5 bilhão por ano de presente, pela exploração de energias poluentes no mar de um “país” que é de todos – e não de um único Estado-membro. Essa “lógica” de desenvolvimento precisa ser revista, sob pena de continuarmos permitindo ao Estado-Patrão a prerrogativa de, sozinho, decidir “melhores caminhos” para a eliminação de desigualdades regionais, enquanto, por exemplo, deixa à margem o agronegócio da cana-de-açúcar no Nordeste que arrecada, por safra, mais de R$ 3,6 bilhões como o maior “agricluster” da região. |
* Presidente do Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool no Estado de Pernambuco - SINDAÇÚCAR |